Parada Cardiorrespiratória
Conceitos gerais - PCR é a interrupção súbita da atividade mecânica ventricular, útil e suficiente, e da respiração; morte clínica: falta de movimentos respiratórios e batimentos cardíacos eficientes na ausência de consciência, com viabilidade cerebral e biológica; morte biológica irreversível: deterioração irreversível dos órgãos, que se segue à morte clínica, quando não se institui as manobras de RCR; morte encefálica (freqüentemente referida como morte cerebral): ocorre quando há lesão irreversível do tronco e do córtex cerebral, por injúria direta ou falta de oxigenação, por um tempo, em geral, superior a 5min em adulto com normotermia.
Epidemiologia: causas de PCR e predisposições
Em adultos: a doença coronária é a principal causa de PCR. Em nosso país, a doença de Chagas, por levar a importantes distúrbios elétricos no coração, também tem papel deflagrador desses episódios. Os fatores pregressos mais importantes, que acrescentam riscos, são episódios prévios e história de: PCR; taquicardia ventricular (TV); infarto do miocárdio; miocardiopatia dilatada; hipertensão arterial sistêmica; cardiomiopatia hipertrófica; síndrome do QT longo e portadores de síndrome de Wolf Parkinson White com episódios de fibrilação atrial; em crianças: diferentemente dos adultos, o mais comum em criança é apresentar parada cardíaca devido à parada respiratória. Menos de 10% dos casos devem-se a fibrilação ventricular (FV), sendo geralmente associados a doenças cardíacas congênitas. Por este motivo, a sobrevida é muito baixa. Como a falência respiratória é a causa fundamental das PCR na criança, prevenir a insuficiência respiratória e, principalmente, observar muito de perto crianças com insuficiência respiratória, diminuirão a necessidade de medidas de ressuscitação, nessa faixa etária. No nosso país, distúrbios hidroeletrolíticos e ácido básicos são outras causas comuns de PCR em criança. Em relação aos traumatismos, estes são causa freqüente de PCR em crianças abaixo de 1 ano de idade; na gravidez: os eventos que mais comumente levam a parada cardíaca na gestação são: embolia pulmonar, trauma, hemorragia periparto com hipovolemia, embolia de líquido amniótico, doenças cardíacas pré-existentes e complicações pelo uso de medicamentos durante a gravidez.
Modalidades de parada cardíaca
Assistolia - É a cessação de qualquer atividade elétrica ou mecânica dos ventrículos. No eletrocardiograma (ECG) caracteriza-se pela ausência de qualquer atividade elétrica ventricular observada em, pelo menos, duas derivações (fig. 1).
Fig. 1 - Assistolia ventricular; no início do traçado registrou-se um complexo QRS e onda T, seguido de linha isoelétrica.
Fibrilação ventricular - É a contração incoordenada do miocárdio em conseqüência da atividade caótica de diferentes grupos de fibras miocárdicas, resultando na ineficiência total do coração em manter um rendimento de volume sangüíneo adequado. No ECG, ocorre a ausência de complexos ventriculares individualizados que são substituídos por ondas irregulares em ziguezague, com amplitude e duração variáveis (fig. 2).
Fig. 2 - Fibrilação ventricular. A) ondas amplas e rápidas - fibrilação ventricular tipo "grosseiro"; B) ondas pequenas e lentas - fibrilação tipo "fino".
Taquicardia ventricular sem pulso - É a sucessão rápida de batimentos ectópicos ventriculares que podem levar à acentuada deterioração hemodinâmica, chegando mesmo a ausência de pulso arterial palpável, quando, então, é considerada uma modalidade de parada cardíaca, devendo ser tratada com o mesmo vigor da FV. O ECG caracteriza-se pela repetição de complexos QRS alargados não precedidos de ondas P e, se estas estiverem presentes, não guardam relação com os complexos ventriculares. Podem ocorrer capturas isoladas de alguns complexos QRS. Em geral os ciclos ventriculares têm sucessão a intervalos irregulares (fig. 3).
Fig. 3 - Taquicardia ventricular.
Atividade elétrica sem pulso - É caracterizada pela ausência de pulso detectável na presença de algum tipo de atividade elétrica, com exclusão de taquicardia ou FV. A atividade elétrica sem pulso incorpora a dissociação eletromecânica (DEM) e um grupo heterogêneo de ritmos que inclui: pseudo DEM, ritmo idioventricular, ritmo de escape ventricular, ritmo idioventricular pós desfibrilação e ritmos bradiassistólicos. Ao ECG, caracteriza-se pela presença de complexos QRS largos e bizarros que não produzem resposta de contração miocárdica eficiente e detectável (fig. 4).
Fig. 4 - Dissociação eletromecânica ou ritmo agônico. Complexos QRS largos e bizarros. Ritmo idioventricular, sem contração mecânica ventricular correspondente.
Tratamento
Consiste no conjunto de medidas básicas e avançadas de RCR.
Ressuscitação Cardiorespiratória Básica (RCRB) - Socorro Básico
Definição
É constituída por um conjunto de procedimentos de emergência que pode ser executado por profissionais da área de saúde ou por leigos treinados, consistindo no reconhecimento de obstrução das vias aéreas, de parada respiratória e de parada cardíaca e na aplicação da RCR através da seqüência ABC: abertura de vias aéreas (desobstrução); boca a boca (respiração); circulação artificial (compressão torácica externa).
Reconhecimento e abordagem inicial
A abordagem da vítima com provável PCR deve ser iniciada com detecção de inconsciência. Constatado este fato, o socorrista tenta solicitar auxílio e, imediatamente, iniciar os procedimentos adequados. Para que a RCR seja eficiente, a vítima deve estar em decúbito dorsal sobre uma superfície dura, firme e plana. Se a vítima estiver em decúbito lateral ou ventral, o socorrista deve virá-la em bloco de modo que a cabeça, pescoço e ombros movam-se simultaneamente, sem provocar torções. O socorrista deve se colocar ao nível dos ombros da vítima e se ajoelhar quando ela estiver no solo (fig. 5)
Fig. 5 - Socorro básico - o socorrista coloca-se ao nível dos ombros da vítima e ajoelha-se quando ela estiver no solo.
Seqüência das manobras de RCRB
Abertura das vias aéreas - Na ausência do tônus muscular, a língua e/ou a epiglote poderão ocluir as vias aéreas, uma causa comum de obstrução em pessoas inconscientes.
A dorsoflexão da cabeça determina a progressão do maxilar inferior para frente, promovendo o afastamento da língua da parede dorsal da faringe, com a conseqüente abertura das vias aéreas superiores. É realizada colocando-se a palma de uma das mãos na fronte da vítima e as pontas dos dedos, indicador e médio, da outra mão sob a parte óssea do queixo, tracionando-o para frente e para cima (fig. 6).
Fig. 6 - Abertura das vias aéreas: A) com a cabeça fletida para a frente, a mandíbula desloca a língua para trás, a qual oclui as vias aéreas em sua porção superior; B) a dorsoflexão da cabeça torna a via aérea pérvia corrigindo a posição da língua.
Fig. 7 - Manobra da mandíbula: observar a colocação dos dedos nos ramos, atrás dos ângulos da mandíbula, deslocando-a para a frente, com a cabeça dorsofletida. Os polegares retraem o lobo inferior. O socorrista deve colocar-se atrás do polo cefálico da vítima.
Uma técnica variante é a chamada "manobra de mandíbula", que consiste na colocação dos dedos de ambas as mãos do socorrista nos ramos atrás dos ângulos da mandíbula, deslocando-a para frente enquanto a cabeça é dorsofletida (fig. 7). O socorrista deve se colocar atrás da cabeça da vítima com os cotovelos apoiados na superfície na qual ela está deitada. Se a boca permanecer fechada, o lábio inferior deve ser retraído com o auxílio dos polegares. A manobra da mandíbula tem indicação imediata quando se suspeita de trauma cervical, quando então deve ser empregada sem dorsoflexão excessiva da cabeça. Se após estas medidas a respiração não se instalar espontaneamente, deve-se dar seqüência à medida B.
Ventilação boca a boca - Para se avaliar a presença de respiração espontânea, o socorrista deve colocar o seu ouvido próximo à boca e ao nariz da vítima enquanto mantém pérvias as vias aéreas (fig. 8).
Fig. 8 - Avaliação da presença de respiração espontânea - ver eventuais movimentos respiratórios do tórax, ouvir ruídos respiratórios, sentir fluxo do ar exalado sobre a sua face.
Fig. 9 - Boca a boca - respiração.
Fig. 10 - Ventilação boca a nariz.
A atenção do socorrista deve se concentrar: ver eventuais movimentos respiratórios do tórax; ouvir ruídos respiratórios;sentir o fluxo do ar exalado sobre a sua face. Na ausência destes sinais indicativos, conclui-se que a vítima está apnéica. Esta avaliação deve ser feita no máximo em 5s.
Em caso de retornarem os movimentos respiratórios, o socorrista deve continuar a manter as vias aéreas abertas. Na ausência de respiração espontânea, deve se aplicar a respiração artificial.
Na respiração boca a boca, após ocluir as asas do nariz da vítima com os dedos, polegar e indicador, da mão que está na fronte, o socorrista, após inspiração profunda, aplica seus lábios sobre a parte externa da boca da vítima, de modo a obter uma boa vedação e insufla um volume de ar para expandir o tórax (fig. 9).
A expiração se faz passivamente pela própria elasticidade do tórax. A manobra ventilatória inicial deve ser de 2 ventilações amplas, com duração de 1 e 1/2 a 2s cada, no adulto. A seguir, a insuflação dos pulmões deve ser repetida 12 vezes por minuto. A respiração boca a nariz (fig. 10) constitui uma variante, em situações em que a respiração boca a boca não pode ser utilizada, como trisma, trauma bucal ou impossibilidade de vedação adequada. A posição das mãos do socorrista nesta modalidade, será uma na testa e a outra erguendo a mandíbula ocluindo a boca, enquanto insufla o ar pelo nariz.
Na vítima inconsciente, na qual se restabeleceram a respiração e o pulso, deve-se procurar manter a permeabilidade das vias aéreas, colocando-se cuidadosamente a mesma em decúbito lateral (posição de recuperação) quando não houver suspeita de trauma cervical.
Circulação artificial: compressão torácica externa - O reconhecimento da parada cardíaca em adulto é feita pela constatação da ausência de pulso na artéria carótida (fig. 11) ou, eventualmente, na artéria femoral associada à perda de consciência e a outros sinais periféricos, como palidez, cianose e pele marmórea.
Fig. 11 - Localização do pulso carotídeo.
A pesquisa do pulso deve consumir de 5 a 10s pela possibilidade dele ser lento, irregular ou de pouca amplitude. Na presença de pulso, porém com respiração ausente após as 2 ventilações iniciais, estas devem ser continuadas na freqüência de 1 ventilação a cada 5s.
Uma vez caracterizada a parada cardíaca, deve-se tentar novamente chamar por auxílio de "socorro especializado" sem abandono da vítima e prontamente iniciar a compressão torácica externa. O paciente deve estar em decúbito dorsal horizontal, apoiado numa superfície rígida como o solo, uma tábua ou uma bandeja de servir de tamanho apropriado, interposta entre o doente e o leito.
Com o paciente e o socorrista adequadamente posicionados, este último desliza os dedos, indicador e médio, pelo rebordo costal até o entalhe onde as costelas encontram o osso esterno (ângulo de Charpy). Com o dedo médio neste entalhe, o indicador é colocado ao seu lado na extremidade inferior do esterno. A região hipotenar da outra mão é colocada no esterno ao lado do indicador. A primeira mão é removida do entalhe e colocada sobre a mão apoiada no esterno, de tal maneira que ambas estejam paralelas (fig. 12). Os dedos podem ficar estendidos ou entrelaçados, mas afastados do gradeado costal, evitando-se fratura de costelas.
Fig. 12 - Localização do ponto de aplicação das compressões torácicas externas.
Fig 13- Técnica de compressão torácica externa.
Os braços do socorrista devem permanecer em extensão com as articulações dos cotovelos fixas, transmitindo ao esterno da vítima a pressão exercida pelo peso dos seus ombros e tronco, reduzindo a fadiga (fig. 13). A pressão aplicada deve ser suficiente para deprimir o esterno de 3,5 a 5cm no adulto.
A compressão deve ser regular e rítmica, seguindo-se imediatamente o relaxamento de igual duração, aliviando totalmente a pressão, permitindo ao tórax retornar a sua posição normal, sem entretanto, retirar as mãos.
A seqüência destas manobras deve ser ininterrupta. A respiração artificial e a compressão torácica externa devem ser associadas, para uma reanimação efetiva. A freqüência das compressões deve ser de 80 a 100/min no adulto. As compressões torácicas devem ser alternadas com as ventilações na seguinte proporção: na presença de um socorrista, a alternância deve ser de 15 compressões para cada duas ventilações; caso haja um segundo socorrista, um encarregar-se-á das ventilações e o outro das compressões, e a alternância compressões/ventilações passará a ser de 5 compressões para cada ventilação.
Após 4 a 5 ciclos de compressão e ventilação (aproximadamente 1min), aconselha-se a reavaliação de presença de pulso e de respiração espontânea, repetindo-se as reavaliações a cada 3min.
Durante a parada cardíaca, a compressão torácica externa realizada de modo apropriado pode produzir uma onda de pressão sistólica próximo a 100mmHg; entretanto, a pressão diastólica é ao redor de zero, resultando, assim, uma pressão média de 40mmHg que irá representar a pressão de perfusão em grandes vasos, ou seja, 1/3 a 1/4 do normal. Essa situação de fluxo em nível crítico, impõe ao socorrista uma eficiência e exige uma constância nas compressões.
Atualmente, existem 2 teorias que tentam explicar a circulação do sangue durante as compressões torácicas. A teoria de "bomba cardíaca", subentendendo a compressão do coração entre o esterno e a coluna, impulsionando o sangue nas artérias pulmonar e aorta e a teoria de "bomba torácica", fundamentando-se na elevação concomitante da pressão intratorácica de todas as estruturas vasculares; as artérias intratorácicas resistem ao colapso, havendo uma transmissão quase total de sua pressão para as artérias extratorácicas. As válvulas venosas competentes e o colapso venoso durante as compressões torácicas impedem a transmissão plena da pressão para as veias extratorácicas, criando um gradiente arteriovenoso de pressão extratorácica, promovendo a circulação.
A teoria da "bomba torácica" é reforçada pela observação nas salas de hemodinâmica da manutenção do paciente consciente por até 30s de parada cardíaca, quando solicitado a tossir vigorosamente. Técnicas alternativas vêm sendo investigadas com o objetivo de se elevar a pressão intratorácica para melhorar os resultados da RCR. Entre elas destacam-se: 1) compressão torácica e ventilação simultâneas; 2) compressão abdominal interposta à compressão torácica; 3) enfaixamento abdominal contínuo; 4) vestimentas compressivas anti-choque; 5) compressão-descompressão ativas. Teoricamente é possível gerar fluxo sangüíneo durante RCR pelos 2 mecanismos descritos.
Comentários finais
A seqüência ABC poderá ser dispensada quando o paciente estiver monitorizado ou a parada cardíaca for presenciada, eventualidades nas quais se tenta restabelecer os batimentos cardíacos pelo golpeamento do precórdio, pela desfibrilação elétrica ou, se a vítima ainda estiver consciente, induzindo-a a tossir.
O golpe do precórdio difere de compressão torácica, pois tem a finalidade de tentar cessar a taquicardia ou a FV ou, ainda, reiniciar a atividade elétrica cardíaca na assistolia pela transformação da energia mecânica em elétrica. Aplica-se um único e vigoroso golpe na região médio esternal com os punhos cerrados de uma altura de 20 a 30cm (fig. 14).
Fig. 14 - Golpe no precórdio.
Ressuscitação Cardiorespiratória Pediátrica
Introdução
A parada cardíaca em crianças, na maioria das vezes, é conseqüência de problemas respiratórios ou circulatórios, sendo a parada cardíaca primária, diferentemente do adulto, evento raro nessa faixa etária. Assim, em crianças freqüentemente se observam várias doenças e lesões traumáticas, desencadeando hipoxemia e acidose progressivas, que levam à parada cardíaca em assistolia. FV ocorre na minoria dos casos de PCR em crianças (menos de 10%) e é observada mais comumente em portadores de doença cardíaca congênita prévia. O prognóstico da assistolia cardíaca é bastante reservado. Os índices de sobrevida são reduzidos e, freqüentemente, os sobreviventes desenvolvem seqüelas neurológicas graves.
Assim, conclui-se que a prevenção da PCR é essencial na faixa etária pediátrica, implicando no emprego imediato de terapia adequada a cada doença. A monitorização dos parâmetros clínicos - freqüência respiratória, FC, coloração das mucosas e perfusão periférica - é obrigatória em todas as crianças que apresentem algum risco, mesmo que mínimo, de desenvolverem insuficiência respiratória ou circulatória.
São várias as situações que podem causar PCR. Em nosso meio, destacam-se as doenças infecciosas que acometem o sistema nervoso central, o trato respiratório e o trato gastrintestinal. As lesões traumáticas constituem a 1ª causa de morte em crianças acima de 1 ano de idade.
Diagnóstico
A suspeita diagnóstica da PCR é feita imediatamente ao se visibilizar a criança. Apnéia ou respiração agônica (gasping) configuram parada respiratória e ausência de pulsos em grandes artérias, parada circulatória. Outros sinais acessórios também devem ser considerados: respiração irregular, batimentos cardíacos muito baixos, cianose e palidez cutânea. A observação ao ECG de ritmos inadequados, como assistolia, FV, bradicardia intensa e complexos bizarros, corroboram o diagnóstico de parada cardíaca.
Conduta
Suspeitando-se de PCR, as manobras de RCR devem ser imediatamente iniciadas. Manobras que têm o objetivo de manter fluxo de sangue oxigenado aos órgãos vitais, principalmente cérebro.
Algumas considerações são necessárias antes de serem descritas as técnicas de RCR. A intervenção na parada respiratória deve ser agressiva para evitar a ocorrência de parada cardíaca, pois, como já comentado anteriormente, o seu prognóstico é reservado. Em todos os hospitais deve haver um treinamento específico e contínuo em RCR, pois já é comprovado que o prognóstico relaciona-se diretamente com a qualidade de atendimento prestado. Didaticamente, divide-se a RCR em suporte básico e SAV. O suporte básico de vida inclui a abertura das vias aéreas, a respiração artificial (ventilação pulmonar) e a circulação artificial (compressão torácica). Este atendimento inicial não requer equipamentos sofisticados e pode ser executado em qualquer circunstância. O êxito é dependente da destreza e rapidez com que as manobras são aplicadas.
O SAV implica no aperfeiçoamento das técnicas utilizadas no suporte básico, na obtenção de via de acesso vascular, na administração de fluidos e medicamentos, na monitorização cardíaca e no emprego da desfibrilação. As manobras utilizadas na RCR pediátrica são:
Vias aéreas - A avaliação do nível de consciência e do padrão respiratório é feita de imediato, ao se deparar com uma criança com suspeita de PCR.
Fora do ambiente hospitalar, se a criança está irresponsiva a um estímulo táctil, mas apresenta esforço respiratório, deve ser imediatamente transportada a um centro de atendimento. Se a criança estiver em apnéia, a ressuscitação deve ser imediatamente iniciada enquanto se providencia a chamada de socorro.
É fundamental a colocação da criança em posição supina sobre uma superfície firme para realizar a RCR. Entretanto, em crianças vítimas de trauma deve-se ter extremo cuidado na manipulação da coluna, principalmente a cervical. Nestes casos, a movimentação da vítima deve ser em bloco, mantendo-se tração cervical até que a imobilização da coluna esteja completa.
O relaxamento dos músculos do pescoço da parede posterior da faringe e da língua, devido à inconsciência e hipoxemia, é causa de obstrução aérea. Para que as vias aéreas fiquem pérvias, a cabeça deve ser inclinada e ou o mento elevado (fig. 15 e 16). Este procedimento deve ser executado com suavidade tanto maior quanto menor for a criança, tomando-se o cuidado de não estender em excesso o pescoço, não pressionar os tecidos moles abaixo do pescoço e nem fechar a boca, manobras que ocluem a via aérea ao invés de abrí-la. Para manter a cabeça em posição, deve-se colocar um coxim pequeno sob a nuca da criança. Nos casos de trauma apenas o mento deve ser elevado sem inclinação da cabeça.
Respiração artificial - Após a criança estar adequadamente posicionada, a ventilação pulmonar deve ser iniciada imediatamente se não houver retorno espontâneo da mesma. Há várias maneiras de realizar a respiração artificial:
Boca-a-boca ou boca-a-boca/nariz - O reanimador deve fazer uma inspiração profunda e insuflar o pulmão da criança. A boca do reanimador deve englobar a boca e nariz da criança, se esta tiver menos de 1 ano. Para idades maiores, o procedimento é realizado englobando somente a boca da criança (fig. 17 e 18). Este modo de respiração é um método útil até que outro mais efetivo seja viável.
Fig. 18 - Ventilação na criança com mais de um ano.
Máscara acoplada a bolsa-valva - Trata-se de técnica eficaz e mais higiênica que a anterior. Uma máscara de tamanho adequado é adaptada à face da criança, envolvendo a boca e o nariz, sendo a ventilação realizada através de uma bolsa-valva (Ambu). A bolsa-valva é conectada à fonte de oxigênio, cujo fluxo deve variar de 10 a 15L/min.
Tubo de borracha acoplada a um fluxômetro de oxigênio - O reanimador deve manter a via aérea aberta através da elevação do queixo com o dedo indicador da mão esquerda e ocluir uma narina com o polegar da mesma mão. Através da outra narina, a ventilação é efetuada com o tubo de borracha conectado a fluxômetro de oxigênio. Se a criança já estiver intubada, a "borracha" é usada diretamente no tubo traqueal. O fluxo de oxigênio não deve ultrapassar 3L/min.
Intubação traqueal - Trata-se de, procedimento do SAV, que será descrito mais a diante. A intubação traqueal deve ser realizada se não houver retorno da respiração espontânea com um dos procedimentos anteriores. Em situações de emergência, a via orotraqueal deve ser preferida em relação à nasotraqueal.
Cada tentativa de intubação deve ser precedida de oxigenação adequada e não pode ultrapassar 30s. Se durante a tentativa de intubação, ocorrer intensa bradicardia nos casos em que houver ritmo cardíaco espontânea e ou piora da perfusão ou da cor da pele, a manobra deve ser interrompida. Este procedimento deve ser realizado por indivíduo mais experiente.
As cânulas de intubação traqueal para crianças, abaixo de 8, anos devem ser desprovidas de cuff, com diâmetro interno variando com as diferentes idades e, em geral, igual ao diâmetro do 5º dedo da mão e igual ao diâmetro das narinas: cânulas 0,5cm devem estar disponíveis antes de se proceder à intubação.
Quadro IX - Diâmetro interno da cânula traqueal (em mm.).
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Recém-nascido prematuro
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2,5 a 3,0
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Recém-nascido termo
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3,0 a 3,5
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Lactentes
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3,5 a 4,0
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Dois anos ou mais
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(idade em anos/4) + 4
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Para que a ventilação seja eficaz algumas observações dever ser seguidas - Durante a ressuscitação pulmonar deve-se, sempre que possível, utilizar oxigênio a 100%; a ventilação deve ser iniciada com duas respirações profundas (1 a 1,5s/respiração) para expandir áreas pulmonares colapsadas; para vencer a alta resistência, devido ao calibre reduzido das vias aéreas da criança, a ventilação deve ser suave evitando-se fluxos altos de oxigênio e ventilações muito rápidas; o cuidado descrito no item acima também minimiza a distensão gástrica que ocorre durante a respiração artificial; a passagem de sonda naso-gástrica deve ser realizada tão logo seja possível. A distensão gástrica é prejudicial por aumentar o risco de aspiração pulmonar de conteúdo gástrico e desencadear reflexo vagal e conseqüente bradicardia; a ventilação deve proporcionar expansibilidade torácica, que é avaliada através da visibilização do tórax da criança e através da ausculta de murmúrio vesicular nos ápices pulmonares. Se não ocorrer ventilação adequada durante a respiração artificial, suspeitar de obstrução de vias aéreas, que pode ocorrer por posição errada da cabeça da criança ou devida a corpo estranho (as manobras de retirada de corpo estranho (vide capítulo de obstrução de vias aéreas superiores). Problemas associados, como pneumotórax, pobre complacência pulmonar e distensão abdominal grave também podem dificultar a ventilação pulmonar; a freqüência respiratória durante a ventilação artificial deve se aproximar da esperada para cada idade (quadro X).
Quadro X - Freqüências respiratória (FR) e cardíaca (FC) durante a RCR em pediatria.
Idade
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FR
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FC
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Recém-nascido
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25
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120
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1 mês a 1 ano
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20
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100
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1 ano a 8 anos
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16
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80
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8 anos ou mais
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12
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60
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Circulação artificial - Verificação do pulso: batimento cardíaco ausente ou inefetivo resulta em ausência de pulsos em grandes artérias. Nas crianças <1 ano a carótida também pode ser utilizada. A atividade precordial não se correlaciona obrigatoriamente com a geração de pulso, não devendo, portanto, ser técnica de escolha para esta finalidade. A circulação artificial é realizada através da compressão torácica externa, que deve ser iniciada assim que for constatada a ausência de pulso.
Além da ausência de pulso em grandes artérias, a bradicardia (FC Técnica de compressão torácica externa - A técnica de compressão torácica é aceita como manobra eficaz para manter fluxo sangüíneo mínimo aos órgãos vitais, o que pode ocorrer através de dois mecanismos comprovados: "bomba cardíaca", onde a circulação do sangue se dá por compressão direta do coração e "bomba torácica" onde a circulação resulta da variação da pressão intratorácica que ocorre durante a compressão-descompressão. É aceito o mecanismo de "bomba cardíaca" em crianças.
A técnica de compressão torácica externa varia com a idade da criança. Em recém-nascidos, a compressão torácica externa é realizada através da compressão do esterno imediatamente abaixo da interseção da linha intermamilar e esternal (fig. 19). Em recém-nascidos grandes, é indicada a técnica usada em crianças maiores, ou seja: de 1 mês a 1 ano - a compressão deve ser realizada sobre o esterno a um dedo abaixo da interseção da linha intermamilar com a linha esternal (fig. 20); a compressão ao nível do apêndice xifóide é deletéria. O reanimador executa a compressão com 2 ou 3 dedos de uma das mãos; a outra mão pode servir como suporte abaixo das costas da criança. Também pode ser empregada a técnica do recém-nascido, desde que o reanimador, ao envolver o tórax da criança, não impeça a sua expansão adequada; crianças de 1 a 8 anos - o local de compressão no esterno é a um dedo acima do ângulo de Charpy (fig. 21) e realizada com a região tenar de uma das mãos do reanimador, sem colocar os dedos sobre as costelas. Esta técnica exige que a criança esteja sobre uma superfície dura. O reanimador deve estar situado bem acima da criança e manter os seus braços esticados durante a compressão; maiores de 8 anos - é a mesma técnica descrita para adultos, onde o reanimador posiciona uma mão sobre a outra para fazer a compressão.
Algumas normas devem ser seguidas para que a compressão torácica externa produza circulação sangüínea adequada - a freqüência da compressão torácica varia com a idade da criança (quadro X); o tempo de compressão deve ser igual ao tempo de relaxamento, isto é, tempo sem compressão; a compressão torácica deve ser coordenada com a respiração, isto é, a cada 5 compressões torácicas se faz uma pausa de 1 a 1,5s onde é realizada a ventilação pulmonar. A ventilação e a compressão torácica devem ser seriadas e rítmicas durante toda a ressuscitação; o diâmetro ântero-posterior do tórax deve diminuir de um terço a metade durante a compressão; ao final de cada compressão a pressão é liberada sem entretanto o reanimador retirar a mão ou dedos da superfície do tórax da criança, fazendo o movimento de compressão e relaxamento suavemente, sem "socos", sobre o esterno; a criança deve estar colocada sobre uma superfície dura; na ausência desta, a mão do reanimador colocada sobre as costas da criança pequena pode substituí-la; durante a compressão torácica, não se deve alterar a posição do pescoço e da cabeça da criança, o que pode prejudicar a permeabilidade da via aérea. Observação: Não se utiliza o golpe precordial, em nenhuma situação, no atendimento à PCR em criança.
A eficácia das manobras de RCR, respiração e circulação artificiais, deve ser avaliada, utilizando a monitorização do pulso nas grandes artérias, a observação do tamanho e reatividade à luz das pupilas e a análise do traçado registrado através do ECG.
Farmacoterapia - Faz parte do SAV durante a RCR, a administração de fluidos e medicamentos. A monitorização da atividade elétrica cardíaca é obrigatória através do ECG, pois indica o medicamento mais adequado e seu efeito.
Vias de acesso para a infusão de medicamentos - Para que seja possível a administração de medicamentos é necessário a instalação de um acesso vascular, tarefa esta difícil de ser executada nas crianças que estão em PCR. O melhor acesso vascular é aquele que não atrapalha as manobras de ressuscitação e oferece o maior calibre. Serão comentados, por ordem de prioridade, as diferentes vias utilizadas em crianças. Veia periférica - Acesso venoso periférico é uma via útil e facilmente obtida na ressuscitação pediátrica. Os locais de punção são os habitualmente empregados: couro cabeludo, braços, mãos, pernas e pés. Para que o medicamento administrado, através da veia periférica, alcance rapidamente a circulação central, deve-se administrar um push de SF logo a seguir; acesso intra-ósseo - trata-se de acesso vascular para crianças com
Medicamentos - Adrenalina - é o medicamento de escolha na assistolia, ritmo encontrado em 90% das PCR em crianças. As doses preconizadas são: 1ª dose - 0,01mg/kg (0,1mL/kg de adrenalina 1:10.000. Esta solução é obtida através da diluição de 1mL de adrenalina pura (1:1.000) em 10mL de água destilada ou SF. Esta dose é para administração intra-óssea ou endovenosa. Na via endotraqueal, utiliza-se a adrenalina pura na dose de 0,1mg/kg, ou seja, 0,1mL/kg. Doses subseqüentes: 0,1 a 0,2mg/kg (0,1 a 0,2mL/kg da adrenalina pura (1:1.000). O intervalo entre as doses deve ser 3 a 5min. Atropina - a dose recomendada é 0,02mg/kg/dose, sendo a dose mínima 0,1mg e máxima 0,5mg na criança e 1,0mg no adolescente. A mesma dose pode ser repetida após 5min. Bicarbonato de sódio - preconiza-se a dose de 1mg/kg/dose: 1mL/kg do BS 8,4% ou 3mL/kg da solução a 3%. Para os recém-nascidos, recomenda-se 0,5mg/kg/dose. Doses subseqüentes devem ser repetidas a cada 10min ou de acordo com os índices sangüíneos se a gasometria for viável. Cálcio - embora muito utilizado anteriormente, atualmente não tem indicação na PCR. Tem papel no tratamento da hipocalcemia, hipercalemia e hipermagnesemia. Nestas situações recomenda-se 5 a 7mg/kg de cálcio elementar o que equivale a 0,5 a 0,75mL/kg de gluconato da cálcio a 10%. Glicose - a criança pode apresentar hipoglicemia durante situações de estresse intenso pois na infância as necessidades de glicose são altas e os estoques são reduzidos. Na presença de hipoglicemia, deve-se administrar 0,5 a 1,0mg/kg de glicose, o que corresponde a 2 a 4mL/kg de glicose a 25%. Não é aconselhável administrar-se glicose indiscriminadamente pois hiperglicemia transitória pode resultar em aumento da osmolaridade e dano neurológico. Lidocaína - é administrada a dose de 1mg/kg que pode ser seguida, se necessário, de infusão contínua de 20 a 50mcg/kg/min.
Terapia elétrica - As pás de adultos (8 a 9cm de diâmetro) são adequadas para crianças acima de 10kg, abaixo deste peso devem ser usadas pás menores. As pás devem ser colocadas firmemente sobre o tórax, uma do lado superior direito e outra à esquerda do mamilo.
A quantidade de energia a ser utilizada em crianças não está bem estabelecida, preconiza-se dose inicial de 2J/kg, se não houver reversão da FV usa-se 4J/kg e, se necessário, esta dose é repetida. Estas 3 desfibrilações devem ser realizadas em rápida seqüência. Nos casos de insucesso corrigir possíveis distúrbios: hipoxemia, acidose, hipoglicemia e hipotermia. Após administrar lidocaína, repetir 4J/kg.
Cardioversão - A dose inicial é 0,5 J/kg, doses maiores podem ser utilizadas, se necessário. Aqui também é imprescindível corrigir hipoxemia, acidose, hipoglicemia e hipotermia.
Marcapasso - É pequena a experiência com uso de marcapasso transdérmico ou externo por punção. Não é habitual ou necessário o seu uso. Nos casos habituais de PCR em crianças, o seu uso nas bradiarritmias é considerado classe - IIb.
Consenso Nacional de RessuScitação Cardiorespiratória
Situações especiais de RCR
Obstrução das vias aéreas por corpo estranho - Pode ser completa ou incompleta. Nas incompletas a ventilação e as trocas gasosas podem ser suficientes ou insuficientes. Na presença de troca gasosa suficiente, a vítima tosse vigorosamente, o que deve ser encorajado. O socorrista não deve tentar a expulsão do corpo estranho com manobras, como o golpeamento da região posterior do tórax.
A troca gasosa insuficiente é reconhecida por tosse fraca e ineficiente, com ruído inspiratório agudo, crescente dificuldade respiratória e cianose. O seu manuseio é idêntico ao da obstrução completa.
Na vítima de obstrução completa, ainda consciente, utiliza-se a manobra de Heimlich (fig. 22A). O socorrista posiciona-se atrás da vítima envolvendo-a com os braços, fechando uma das mãos que é colocada com o lado do polegar contra o abdômen da vítima na linha média entre o apêndice xifóide e a cicatriz umbilical. O punho fechado deve ser agarrado pela outra mão. Em seguida, aplica-se um golpe rápido para dentro e para cima. Esta manobra provoca uma tosse artificial tentando expelir o corpo estranho. Na vítima inconsciente, esta manobra deve ser realizada com o paciente em decúbito dorsal, ficando o socorrista ajoelhado sobre a vítima, cavalgando-a, colocando a base de uma das mãos na região do abdômen, já descrita (fig. 22B). A outra mão é colocada sobre a 1ª, pressionando o abdômen para dentro e para cima com múltiplos impulsos.
Em pacientes muito obesos ou em grávidas esta manobra é realizada com as mãos aplicadas na região medioesternal. Em caso de insucesso, procede-se a punção da emergência cricotireoídiana com agulha de grosso calibre ou com outro instrumento perfurante.
Em crianças que estiverem com obstrução de via aérea por corpo estranho podemos utilizar a manobra do tapa nas costas, desde que a mesma possa ser colocada de cabeça para baixo. Nesta situação, além da diferença de pressão e da trepidação causada pelo próprio tapa, contaremos também com o auxílio da força da gravidade.
Gravidez - A PCR na gravidez é uma situação única devido às importantes alterações na fisiologia cardiovascular e respiratória na mãe. Numa gravidez normal, há um aumento de até 50% no DC e no volume sangüíneo materno. A FC, volume minuto respiratório e o consumo de oxigênio se elevam proporcionalmente. A capacidade residual funcional pulmonar, a resistência vascular sistêmica e pulmonar, a pressão oncótica do plasma e o índice pressão oncótica do plasma/capilar pulmonar apresentam todos uma redução. Também quando a mãe está deitada, o útero pode comprimir os vasos ilíacos, a veia cava inferior e a aorta abdominal, o que resulta em hipotensão arterial, promovendo redução do DC em até 25%.
Numa mulher grávida, os procedimentos, medidas de reanimação, incluindo os medicamentos, são os habitualmente utilizados. Entretanto, pela presença de um útero gravídico, algumas medidas são necessárias para reduzir os efeitos deste, no retorno venoso e no DC. Assim, aconselha-se colocar um travesseiro ou um coxim sob o flanco direito e quadril direito a fim de deslocar o útero para o lado esquerdo do abdômen.
Outro aspecto importante é o momento de se indicar a cesárea perimorte, que deve ser indicada o mais rápido possível, geralmente com não mais que 5min após iniciada a PCR. Todavia, esta decisão depende das circunstâncias que precipitaram a parada, a idade gestacional e conseqüente potencial de sobrevivência do feto, e a existência de pessoal treinado. O esquema abaixo serve de orientação, levando-se em conta o tempo gestacional.
Trauma - O tratamento de pacientes que desenvolvem parada cardíaca após trauma é diferente do tratamento dado a um paciente cujo evento primário foi uma parada cardíaca ou respiratória sem trauma. A PCR associada ao trauma pode ter uma série de causas, com prognósticos e formas de abordagem também variados. Estas causas incluem: 1) lesão neurológica central grave com um colapso cardiovascular; 2) hipóxia secundária a uma parada respiratória, resultado de uma lesão neurológica, de uma obstrução de vias aéreas, de um grande pneumotórax aberto ou uma laceração grave traqueobrônquica; 3) lesão grave e direta em órgãos vitais como coração e aorta; 4) doenças clínicas pré-existentes que podem levar a FV súbita; 5) diminuição severa do DC por pneumotórax hipertensivo ou por tamponamento cardíaco; 6) perda intensa de sangue levando a déficit de oxigenação dos tecidos; 7) traumatismos (por exemplo fratura de fêmur) em ambiente frio, complicada por hipotermia grave.
Quando se atende paciente traumatizado com PCR, muitas vezes não se consegue determinar o mecanismo que originou essa emergência, portanto, alguns critérios devem ser sempre seguidos: 1) tentar sempre reanimar um paciente, que tenha sofrido trauma, com arritmia cardíaca primária; 2) direcionar o tratamento para as lesões potencialmente reversíveis e associadas a condições que afetam a ventilação, oxigenação, ou DC; 3) transportar rapidamente o paciente para um centro de tratamento definitivo de trauma; 4) reaquecer o paciente que tenha sofrido PCR como conseqüência de hipotermia.
Atendimento fora do ambiente hospitalar - No paciente traumatizado, a abordagem das vias aéreas e a ventilação com estabilização da coluna cervical é uma prioridade em relação à compressão torácica.
A estabilização da coluna cervical pode ser conseguida com suportes cervicais laterais, faixas colocadas, na fronte e no mento, presas à prancha curta e/ou longa. Tal conduta irá reduzir a incidência de lesões de medula, principalmente nos pacientes que apresentam alterações ocultas da coluna cervical.
Uma vez o paciente imobilizado, pode-se iniciar as manobras para ventilação sem abordagem definitiva das vias aéreas. Essas manobras incluem a elevação do mento e a tração da mandíbula, seguidas da colocação das cânulas de Guedel ou nasofaríngea acompanhadas de ventilação com máscara e Ambu.
As compressões torácicas devem ser iniciadas após o controle das vias aéreas e o posicionamento adequado da vítima (por exemplo, pacientes presos a ferragens ou pacientes que caíram em um poço).
O SAV no local do acidente só deve ser realizado por médico ou profissionais não médicos devidamente treinados e habilitados legalmente para o exercício de tal atividade.
Neste suporte recomenda-se a abordagem definitiva das vias aéreas, utilizando-se a colocação de cânula traqueal, que permitirá a realização da ventilação de maneira mais efetiva. A colocação da cânula poderá ser conseguida com intubação oral ou abordagem cirúrgica das vias aéreas. A abordagem cirúrgica das vias aéreas pode ser por punção da membrana cricotireoídea ou cricotireoidostomia com incisão.
Atendimento em ambiente hospitalar - O atendimento da PCR em ambiente hospitalar deve seguir os princípios de SAV. Dentro do hospital permite a realização de drenagem torácica quando houver um pneumotórax hipertensivo ou hemotórax maciço. O tamponamento cardíaco também pode ser temporariamente resolvido com a punção e esvaziamento do saco pericárdico.
A toracotomia de emergência pode ser um recurso adjuvante no tratamento da PCR do traumatizado, podendo ser usada na ausência de resposta hemodinâmica imediata, com compressão torácica externa, na presença de afundamento de tórax ou quando o paciente for portador de ferimento penetrante precordial. A toracotomia de emergência oferece oportunidade de diagnosticar e aliviar tamponamento cardíaco, tratar ferimentos cardíacos, realizar compressão torácica interna e ocluir a aorta torácica, reduzindo eventual sangramento abdominal e aumentando a perfusão cerebral e coronariana.
Triagem - Quando o médico encontra-se diante de uma eventualidade onde existem múltiplas vítimas para serem atendidas, ele é obrigado a realizar a triagem a fim de selecionar a ordem de atendimento. Quando o número de pacientes e a gravidade de suas lesões não excedem a habilidade e a capacidade da equipe médica, todos os pacientes devem ser atendidos e, o mais grave, atendido em primeiro lugar. Quando o número de pacientes e a gravidade de suas lesões excedem a habilidade e a capacidade da equipe médica, o paciente que possui maior chance de sobrevida é atendido em primeiro lugar.
Eletrocussão, choque elétrico e acidente por raio - Os pacientes que apresentam PCR como conseqüência de choque elétrico devem ser abordados, levando-se em conta todas a particularidades do paciente traumatizado.
Quando um indivíduo sofre choque elétrico pode apresentar contratura muscular que o impede de retirar o ponto de contado de seu corpo com a fonte de energia elétrica. Neste caso, o indivíduo que irá resgatar esta vítima deve tomar o cuidado de providenciar a interrupção de funcionamento dessa fonte de energia elétrica. Tal procedimento deve ser realizado por pessoal habilitado e treinado para tanto.
Uma particularidade importante é que a PCR ocorre imediatamente após a descarga elétrica. Assim sendo, a triagem deve obedecer uma normatização particular para essas vítimas. Na presença de múltiplas vítimas de choque elétrico, deve-se atender em primeiro lugar os pacientes mais graves que se encontram em PCR.
Afogamento - No atendimento à vítima de afogamento, o indivíduo deve ser considerado como vítima de trauma. O atendimento inicial no local é o mesmo, independentemente de ter acontecido em água de mar, rio, lago ou piscina. Sempre se deve considerar a possibilidade de lesão cervical nestes casos. O atendimento inicial na água só deve ser feito por pessoas especializadas e treinadas para estes procedimentos, incluindo as técnicas de mergulho. O afogado deve ser manipulado em bloco, conforme orientação do suporte básico de vida. Deve-se iniciar a ventilação boca a boca, tomando-se os cuidados que se tem com os indivíduos portadores de lesão cervical.
Quando houver a suspeita de corpo estranho nas vias aéreas superiores, ou esta suspeita for percebida durante a ventilação, pode ser tentada uma manobra para retirada de corpo estranho de via aérea, como por exemplo, a manobra de Heimlich (classe I). Não se deve tentar retirar água dos pulmões por nenhum meio que não seja através da aspiração, pois outros tipos de manobra podem ejetar material gástrico com conseqüente aspiração. Enquanto na água, não se procede à compressão do tórax. Após sair da água, as manobras são similares às do suporte básico no trauma. Suporte avançado segue as normas gerais do trauma. Deve-se considerar que, no afogamento em água gelada, as recomendações para hipotermia devem ser seguidas.
Hipotermia - Hipotermia é definida como uma temperatura corpórea central abaixo de 35oC. Clinicamente, pode ser classificada como leve (32o a 35oC), moderada (30o a 32oC), ou grave (Na hipotermia grave, as vítimas podem parecer clinicamente mortas devido a uma intensa depressão do funcionamento do sistema cardiovascular e do cérebro, especialmente considerada em pacientes com intoxicação exógena.
O atendimento no local da ocorrência deve seguir às padronizações do atendimento de suporte básico, deixando o atendimento avançado para ser realizado no ambiente hospitalar, uma vez que o transporte deve ser o mais rápido possível. Quando se dispuser da possibilidade de realizar o atendimento avançado no local, lembrar que não se deve repetir o uso de medicamentos e desfibrilação, conforme o algoritmo para tratamento da hipotermia (vide algoritmo para atendimento de indivíduo com hipotermia).
Abandono das manobras de ressuscitação
Situações que se autorizam a interrupção das manobras de ressuscitação
Partindo-se do princípio de que as manobras de RCR estão sendo realizadas, de maneira adequada, autoriza-se a interrupção dessas manobras na situação em que há ausência de restabelecimento cardiocirculatório, usualmente, após 30min de RCR, exceto na hipotermia. Embora seja recomendação geral, devem ser considerados outros fatores e ou situações para esta decisão, preditivos de sucesso na RCR, quanto à interrupção das manobras de RCR, ou sejam: antecedentes e história prévia, causa da parada, mecanismo da parada, local de ocorrência; presença de testemunha; tempo dos sintomas; tempo de chegada do socorro especializado; tempo de ressuscitação pré-hospitalar
Situações em que não há indicação para início de manobras de RCR
a) Nas condições de doenças irreversíveis, quando bem estabelecida a doença do indivíduo e o médico assistente encontra-se apto a afirmar ser uma doença terminal. Nestas condições aconselha-se que seja discutida com os familiares e, eventualmente, até com o paciente, a obtenção e a ordem expressa de não ressuscitar. Obtida a ordem por expresso, o eventual socorrista, seja no ambiente hospitalar ou não, estará autorizado a não proceder a uma ressuscitação ou, até mesmo, interrompê-la.
b) Na condição em que existam evidentes sinais de deteriorização dos órgãos, caracterizando morte biológica.
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