Doença de
Paget
Introdução
A
Doença de Paget, primeiramente descrita por Sir James Paget em 1877, é um
distúrbio localizado da remodelação óssea, que atinge tanto homens como
mulheres e cujo diagnóstico quase sempre é feito após os 50 anos. A doença pode
ser monostótica, quando apenas um osso ou uma parte de um osso é afetado, ou
poliostótica, quando dois ou mais ossos estão envolvidos.
Os
sítios ósseos acometidos são assimétricos e os locais mais freqüentes incluem a
pelve, as vértebras, o crânio e a tíbia. O processo se inicia por aumento
acentuado da reabsorção mediada pelos osteoclastos, com subseqüente aumento da
formação, resultando num tecido ósseo extremamente desorganizado nos locais
afetados, onde não se observa a estrutura lamelar habitual. Os sítios ósseos
afetados apresentam aumento de volume, menor compactação e maior
vascularização, fatores que contribuem para maior risco de fraturas e para a
ocorrência de deformidades.
·
Etiologia
·
A
Doença de Paget atinge preferencialmente a população caucasiana, sendo mais
comum na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália e na Nova Zelândia, e rara na
Ásia e África. Em Israel, acomete a população judia de origem européia, com
pouca expressão na população de origem árabe.
·
A
etiologia da Doença de Paget continua até hoje mal esclarecida. Há um
significativo componente genético, pois até 40% dos pacientes apresentam
antecedentes familiares, sugerindo um padrão de herança autossômico dominante
(1,2).
·
Outros
estudos associam a Doença de Paget ao sistema HLA (human leukocyte antigen),
mas os dados ainda são inconclusivos. Recentemente, surgiram evidências (3) que
um gen do cromossomo 18 poderia ser o responsável pela susceptibilidade ao
Paget em algumas famílias acometidas pela doença.
·
Discute-se
também a relação da Doença de Paget com uma infecção viral, em razão da
presença de inclusões nucleares e citoplasmáticas que assemelham-se a cápsulas
virais, exclusivamente nos osteoclastos dos locais afetados (4). Vários estudos
relacionam os membros da família dos paramyxovírus com a Doença de Paget, como
os vírus do sarampo, raiva canina, sincicial respiratório ou uma mutação de um
ou mais desses vírus. No entanto, as pesquisas utilizando extração de RNA viral
e PCR são conflitantes, ora identificando a presença do vírus ora mostrando
resultados negativos (5,6). Em 1996, Reddy e cols (7) detectaram RNA viral em
células da medula hematopoiética precursoras de osteclastos e numa variedade de
células sangüíneas periféricas de pacientes pagéticos, reforçando as primeiras
hipóteses sobre a etiologia da Doença de Paget, que postulavam uma infecção
viral em um indivíduo geneticamente susceptível e contradizendo a idéia de que a
doença é um processo localizado.
·
Histopatologia
·
O
número de osteoclastos está muito aumentado nos sítios ósseos acometidos e
contêm um número elevado de núcleos, revelando a intensa atividade reabsortiva.
A reabsorção óssea predomina nas fases iniciais da doença, resultando em
imagens líticas circunscritas ao RX, tanto em ossos longos como no crânio. Após
esta fase, em razão do processo de acoplamento entre formação e reabsorção,
observa-se intenso recrutamento de osteoblastos e neo-formação óssea.
·
O
tecido ósseo formado é desorganizado, o colágeno é depositado de forma não
linear ( woven bone ), ocorre infiltração medular
por tecido conectivo fibroso e aumento da vascularização. A mineralização óssea
está preservada e a marcação com tetraciclina mostra-se exuberante. Com a
evolução do processo, a hipercelularidade pode diminuir e o osso tornar-se
esclerótico. Todas estas fases da doença de Paget podem ser vistas em
diferentes sítios ósseos afetados de um mesmo paciente.
·
Parâmetros bioquímicos
·
O
aumento da atividade osteoblástica é refletido nos níveis elevados da fosfatase
alcalina (FA) total sérica ou de sua isoenzima óssea. O grau de elevação destes
marcadores pode indicar a extensão da doença (monostótica ou poliostótica,
envolvimento ou não do crânio) ou a severidade do acometimento ósseo. Valores
de FA 10 vezes acima do normal indicam comprometimento do crânio ou doença
poliostótica extensa, enquanto que valores inferiores a três vezes o limite
superior podem indicar comprometimento monostótico ou a forma esclerótica da
doença.
·
Os
marcadores de reabsorção óssea, que são fragmentos do colágeno tipo I liberados
em circulação, estão aumentados. A dosagem dos telopeptídeos séricos ou
urinários (NTX ou CTX) é a que apresenta maior sensibilidade para avaliar a
atividade da doença, além de não apresentar variações com a dieta. Estes
índices, tanto a FA como NTX ou CTX, podem ser usados no acompanhamento pós-
tratamento com bisfosfonatos e a remissão da doença se acompanha de
normalização dos marcadores.
·
O
cálcio sérico é normal na Doença de Paget mas pode elevar-se em duas condições:
se o paciente com doença ativa e extensa for imobilizado ou se houver a
concomitância de um hiperparatiroidismo primário.
·
Diagnóstico
·
A
maioria dos casos é assintomática e descoberta incidentalmente por exames
radiológicos ou o achado de níveis de fosfatase alcalina elevados. Pode ocorrer
dor óssea e enrijecimento nas articulações adjacentes à área acometida.
Sintomas decorrentes de complicações da doença incluem deformidades, fraturas,
compressões de nervos cranianos, insuficiência cardíaca de alto débito e o
desenvolvimento de tumores ósseos primários como o osteosarcoma.
·
A
avaliação laboratorial inclui a dosagem da fosfatase alçalina e,
alternativamente, dos marcadores de reabsorção óssea. A cintilografia óssea é o
método mais sensível para identificar atividade da doença. Entretanto, o exame
pode ser positivo em áreas afetadas por processos osteodegenerativos ou mesmo
metastáticos. Deste modo, realizar radiografias simples das regiões indicadas
pela cintilografia é o procedimento com maior especificidade para diagnosticar
a Doença de Paget. As alterações observadas na radiologia são aumento do volume
ósseo, espessamento da cortical, trabeculado grosseiro e lesões líticas e
escleróticas características. As radiografias também fornecem informações sobre
as articulações adjacentes aos sítios ósseos acometidos, indicam o predomínio
de lesões líticas ou escleróticas e demonstram a presença de deformidades ou
fraturas.
·
As
características clínicas e radiográficas da Doença de Paget não apresentam
dificuldades no diagnóstico diferencial. No entanto, em alguns casos em que as
imagens radiológicas não são típicas deve-se considerar a possibilidade de
doença metastática óssea ou osteomalácia, podendo então a biópsia óssea fazer o
diagnóstico final.
Referências bibliográficas
1. Morales -Piga AA, Rey-Rey JS, Corres -Gonzales J,
Garcia-Sagredo JM, Lopez-Abente G. Frequency and characteristics of familial
aggregation of Paget's disease of bone. J Bone Miner Res 1995;10:663-70.
2. Siris ES, Ottman R, Flaster E, Kelsey JL. Familial aggregation of Paget's disease of bone. J Bone Miner Res 1991;6:495-500.
3. Haslam SI, Van Hul W, Morales-Piga AA, et al. Paget' disease of bone: evidence for a susceptibility locus on chromosome 18q and for genetic heterogeneity. J Bone Miner Res 1998;13:911-17.
4. Mills BG, Singer FR. Nuclear inclusions in Paget's disease of bone. Science 1976;194:201-02.
5. Ralston SH, Digiovine FS, Gallacher SJ, Boyle IT, Duff GW. Failure to detect paramyxovirus sequences in Paget's disease of bone using the polymerase chain reaction. J Bone Miner Res 1991; 6:1243-8.
6. Birch MA, Taylor W, Fraser WD, Ralston SH, Hart CA, Gallagher JA. Absence of paramyxovirus RNA in cultures of pagetic bone cells and in pagetic bone. J Bone Miner Res 1994;9:11-16.
7. Reddy SV, Singer FR, Mallette L, Roodman GD. Detection of measles virus nucleocapsid transcripts in circulating blood cells from patients with Paget's disease. J Bone Miner Res 1996;11:1602-7.
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