sábado, 19 de dezembro de 2020

Reações Adversas a Medicamentos

 

Reações Adversas a Medicamentos

 

 

Reproduzido de:

Formulário Terapêutico Nacional 2010: Rename 2010 [Link Livre para o Documento Original]

Série B. Textos Básicos de Saúde

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos

Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos

Brasília / DF – 2010

 

 

 

José Gilberto Pereira

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define reação adversa a medicamento (RAM) como “qualquer resposta prejudicial ou indesejável e não intencional que ocorre com medicamentos em doses normalmente utilizadas no homem para profilaxia, diagnóstico, tratamento de doença ou para modificação de funções fisiológicas”. Não são consideradas reações adversas os efeitos que ocorrem depois do uso acidental ou intencional de doses maiores que as habituais (toxicidade absoluta)1-3.

 

Reação adversa a medicamento também pode ser entendida como reação nociva e desagradável, resultante de intervenção relacionada ao uso de um medicamento, cuja identificação permite prever riscos de futura administração, assegurar a prevenção e tratamento específico, bem como determinar alteração da dose ou cessação do tratamento1.

 

Reações adversas a medicamentos são classificadas com base em diferentes critérios. A classificação de RAM mais aceita atualmente foi proposta por Rawlins e Thompson4, 5 que as agrupa em reações do tipo A ou previsíveis e reações do tipo B ou imprevisíveis.

 

As reações do tipo A resultam de uma ação ou de um efeito farmacológico exagerado e dependem da dose empregada, depois da administração de um medicamento em dose terapêutica habitual. São comuns, farmacologicamente previsíveis e podem ocorrer em qualquer indivíduo e, apesar de incidência e repercussões importantes na comunidade, a letalidade é baixa. Englobam reações produzidas por dose excessiva relativa, efeitos adversos e secundários, citotoxicidade, interações de medicamentos e características específicas da forma farmacêutica empregada. Podem ser tratadas por meio ajuste de doses ou substituição do fármaco2, 4, 6, 7.

 

As reações do tipo B caracterizam-se por serem totalmente inesperadas em relação às propriedades farmacológicas do medicamento administrado, e são incomuns, independentes de dose, ocorrendo apenas em indivíduos Susceptíveis e sendo observadas frequentemente nopós-registro. Englobam as reações de hipersensibilidade, idiossincrasia, intolerância e aquelas decorrentes de alterações na formulação farmacêutica, como decomposição de substância ativa e excipientes2, 4, 6, 7.

 

Esta classificação tem sido gradualmente estendida e denominada por outras letras do alfabeto, incluindo tipo C (reações dependentes de dose e tempo), D (reações tardias), E (síndromes de retirada), e tipo F (reações que produzem falhas terapêuticas)5.

 

As consequências às Reações adversas a medicamentos têm variedade, abrangendo desde reações de leve intensidade ou pouca relevância clínica até as que causam prejuízo mais grave como internações em hospital, incapacidade ou até morte. A letalidade por RAM pode alcançar 5% dos indivíduos acometidos, e cerca da metade (49,5%) das mortes e 61% das internações por RAM ocorrem em pacientes com 60 anos e mais. Alguns estudos mostraram que cerca de 4% das admissões em hospital nos Estados Unidos são devidas a RAM e que 57% destas reações não são reconhecidas no momento da admissão. Somando-se pacientes com RAM sérias que exigem internação àqueles com RAM ocorridas durante a permanência em hospital atinge-se mais de 2,2 milhões de pessoas por ano, 6.000 pacientes por dia. Nas duas situações, segundo o consenso de vários pesquisadores, em 32% a 69% essas reações são previsíveis8, 9.

 

Na Europa estima-se que 3% a 8% das admissões em hospital são consequentes de RAM. Este número pode chegar a 17% quando se trata de paciente idoso. Já a incidência de RAM em pacientes hospitalizados atinge a casa dos 20%10. Na Inglaterra, verificou-se que 6,5% das emergências hospitalares e 38.000 admissões hospitalares anuais ocorreram em consequência de RAM11. Revisões sistemáticas e metanálises recentes estimam que a taxa de mortalidade devida a RAM, na população geral, é em torno de 0.15%12.

 

No Brasil, em 2000, identificou-se a ocorrência de 25,9% de RAM em pacientes admitidos num hospital terciário, sendo que em 19,1% a reação foi causa da admissão e 80,8% ocorreu durante a permanência no hospital13.

 

As RAM são mais comuns do que se pode esperar e nunca se pode garantir que um medicamento seja completamente seguro. A determinação precisa do número de RAM ocorridas é, entretanto, virtualmente impossível devido a dificuldade em se avaliar a relação de causalidade e pela baixa proporção de notificações de RAM. A variedade da gravidade e dos medicamentos pelos quais são causadas e dos sítios de ocorrência fazem da identificação de uma RAM um processo muito complexo14.

 

É sempre difícil estimar a incidência de RAM com base em notificações espontâneas pela incerteza inerente à estimação do denominador e do grau de subnotificação. No entanto, sempre que possível, uma estimação de frequência deve ser apresentada de forma padrão, como a recomendada pelo Council for International Organizations of Medical Sciences (CIOMS)15, que classifica como muito comuns aquelas cuja frequência ultrapasse 10%, comuns entre 1% e 10%, incomuns entre 0,1% e 1%, raras entre 0,01% e 0,1% e muito raras quando menor que 0,01%.

 

O primeiro passo para se identificar uma suspeita de RAM é distingui-la dos erros de medicação. Estes consistem em desvios no processo de tratamento, incluindo erros de prescrição, transcrição da prescrição, dispensação, administração ou monitoria. Todavia, RAM advindas de erros de tratamento farmacológico acontecem e são consideradas previsíveis16.

 

De maneira geral, alguns dos seguintes aspectos devem ser observados na identificação e estabelecimento de validade de uma suspeita de RAM: existência de dados epidemiológicos prévios, relação temporal com o uso do fármaco, resposta diante da cessação e reintrodução do fármaco, identificação de causas alternativas, presença de alterações nos exames de laboratório ou na concentração plasmática do fármaco suspeito, ou de ambos17.

 

Outro enfoque na identificação de RAM refere-se à gravidade com que se apresentam. Aquelas consideradas de leve a moderada são geralmente encontradas durante a realização de ensaios clínicos, já as graves e sérias requerem maior atenção, uma vez que a incidência ocorre principalmente na pós-comercialização, podendo determinar a elevação dos custos em saúde e prejuízo irreparável aos pacientes afetados. Uma RAM grave é designada pela intensidade com que ocorre, enquanto a de natureza séria diz respeito aos possíveis desfechos da reação, determinado o quanto ameaçadora e fatal ela pode ser, ou pelo poder de produzir sequelas incapacitantes no paciente14.

 

As reações sérias normalmente apresentam-se em sítios dermatológicos e hematológicos e são caracterizadas pela interação do fármaco com o sistema imune humano. O que mais preocupa nesses tipos de reações é que não se pode prever a ocorrência delas, tornando-as em potente ameaça. Desta forma, a maneira de preveni-las seria não administrar o medicamento16.

 

A máxima primum no nocere (em primeiro lugar não causar dano) fundamenta o que na atualidade se denomina relação benefício-risco terapêutico, e implica no uso racional dos medicamentos. A partir do conhecimento e das provas científicas, a decisão clínica torna-se mais reflexiva e assertiva, de maneira a buscar maiores graus de segurança para o paciente por ocasião das intervenções terapêuticas 18. Desta forma, a ciência e as atividades relativas à identificação, avaliação, compreensão e prevenção dos efeitos adversos ou qualquer outro problema relacionado com medicamentos é denominada farmacovigilância3.

 

Em farmacovigilância, o primeiro alerta que descreve o problema de segurança com o uso de um medicamento é denominado sinal, o que pode ser compreendido como comunicado de informação sobre uma possível relação causal entre um evento adverso e um medicamento, sendo a relação desconhecida ou documentada previamente de maneira incompleta. Normalmente mais de uma notificação é necessário para gerar um sinal, dependendo da gravidade do caso e da qualidade da informação. A identificação do sinal é uma das metas mais importantes da farmacovigilância; todo o processo de avaliação de benefício risco depende da identificação eficiente de sinais, com base na notificação espontânea de RAM. Estas notificações são cuidadosamente estudadas e classificadas em uma base de dados. Um padrão é estabelecido por método científico de cálculo segundo tabelas de dados e isto dá uma ideia razoável dos sinais com probabilidade de se elevarem a efeitos adversos19.

 

Todo o escopo do programa internacional de vigilância dos medicamentos na pós-comercialização tem sede no Uppsala Monitoring Centre da Organização Mundial da Saúde. É para este centro que seguem as notificações de ocorrências de RAM originadas nos 98 países membros. Nos últimos cinco anos, Nova Zelândia, Estados Unidos, Suíça e Austrália têm se destacado quanto a número de notificações de RAM enviadas ao centro, que acumula desde sua criação, em 1968, até o momento, mais de cinco milhões de notificações20.

 

O Brasil integra o programa desde 2001, quando foi criado o Centro Nacional de Acompanhamento de Medicamentos (CNMM) e implantado o Sistema Nacional de Farmacovigilância. O CNMM está situado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mais especificamente na Gerência de Farmacovigilância. O Sistema encontra-se em desenvolvimento e vem utilizando algumas estratégias de expansão como a Rede de Hospitais Sentinela, o Programa de Farmácias Notificadoras, o Notivisa, sistema eletrônico de notificação de eventos adversos e queixas técnicas de medicamentos, e a exigência de elaboração e envio à autoridade sanitária dos Relatórios Periódicos de Farmacovigilância (RPF) pelas empresas detentoras de registros de medicamentos no país21.

 

Em apoio ao Sistema Nacional de Farmacovigilância, os Centros de Informação sobre Medicamentos (CIM) e os Centros de Informação e Assistência Toxicológica (CIAT) são serviços apropriados de apoio ações de vigilância de medicamentos e reações adversas, entre outras. Atuando, segundo as características de cada um, como fonte de informação farmacológica, terapêutica e toxicológica atualizada, objetiva, oportuna e independente, e de assistência toxicológica, com base na literatura científica internacionalmente reconhecida22.

 

O CNMM está apto a receber as notificações de RAM provenientes de todo território nacional. No entanto, para que o sistema se concretize, são necessários sensibilização e reconhecimento pelos profissionais da saúde quanto a importância e a repercussão de se consolidar dados sobre RAM, e consequentemente a integração desses profissionais ao sistema21.

 

A notificação de suspeita de RAM é voluntária, portanto, sua prossecução depende totalmente do interesse e da responsabilidade do profissional com relação ao paciente atendido e com a saúde da sociedade. As autoridades sanitárias orientam para que sejam notificadas ao menos as RAM ocorridas com medicamentos recém-introduzidos no mercado, ou ainda que sejam fatais, ameaçadoras, incapacitantes, que resultem em internação ou aumento de permanência no hospital, que determinem anomalias congênitas, ou que sejam clinicamente graves12, 16.

 

Ainda, retornando à questão da relação benefício-risco do uso de medicamentos, se torna evidente que a consolidação no sistema, das RAM ocorridas no país, pode subsidiar decisões para alterações de bulas, restrições de uso e até a retirada de medicamentos do mercado ou mudança da categoria de venda destes produtos pela autoridade sanitária reguladora3, 21.

 

Voltando-se para os recursos fármaco terapêuticos empregados no país, verifica-se que vários medicamentos, cuja venda foi condenada em outros países, são comumente utilizados por nossa população. Verifica-se também que, embora provas científicas apontem para a retirada desses medicamentos do mercado, ainda assim se faz necessário que dados fármaco epidemiológicos de caráter local sejam fornecidos pela rede de saúde, tendo em vista melhorar a eficiência da regulação de medicamentos no país. Desta forma, pode-se contribuir para que os medicamentos utilizados pela sociedade brasileira sejam eficazes e seguros.

 

 

Referências

 

 

1.EDWARDS, I. R.; ARONSON, J. K. Adverse drug reactions: definitions, diagnosis, and management. Lancet. v. 356, n. 9237, p.1255-1259, 2000.

2.MAGALHÃES, S. M. S.; CARVALHO, W. S. Reações adversas a medicamentos. In: GOMES, M. J. V. M.; MOREIRA, A. M. (Org.) Ciências Farmacêuticas: uma abordagem em farmácia hospitalar. São Paulo: Atheneu, 2001. p. 125-45.

3.WORLD HEALTH ORGANIZATION. The Importance of pharmacovigilance: safety monitoring of medicinal products. Geneva: World Health Organization, 2002.

4.LAPORTE, J. R.; CAPELLÀ, D. Mecanismos de producción y diagnóstico clínico de los efectos indeseables producidos por medicamento. In: LAPORTE, J. R.; TOGNONI, G. (Ed.). Principios de epidemiología del medicamento. 2. ed. Barcelona: Masson, 1993. p. 99-100.

5.ARONSON, J. K.; FERNER, R. E. Joining the DoTS: new approach to classifying adverse drug reactions (dose relatedness, timing, and patient susceptibility) (Education and Debate). BMJ, v. 22, n. 327, p. 1222-1225, 2003.

6.LAZAROU, J.; POMERANZ, B. H.; COREY, P. N. Incidence of adverse drug reactions in hospitalized patients: a meta-analysis of prospective studies. JAMA, v. 15, n. 279, p.1200-11205, 1998.

7.LEE, A.; THOMAS, S. H. L. Adverse drug reactions. In: WALKER, R.; EDWARDS, C. (Ed.). Clinical pharmacy and therapeutics. 3rd. ed. Edinburg: Churchil Livingstone, 2003. p. 33-46.

8.PUBLIC CITIZEN’S HEALTH RESEARCH GROUP. Adverse drug reactions: how serious is the problem and how often and why does it occur. Disponível em: <http:// www.worstpills.org/public/page.cfm?op_id=4>. Acesso em: 2 jun. 2007.

9.MOORE, N. et al. Frequency and cost of serious adverse drug reactions in a department at general medicine. Br. J. Clin. Pharmacol., v. 45, n. 3, p. 301-308, 1998.

10.PIRMOHAMED, M. Adverse drug reactions: a preventable problem. Clin. Pulse, v. 68, p. 63-67, 2004.

11.ROUTLEDGE, P. A.; O’MAHONY, M. S.; WOODHOUSE, K. W. Adverse drug reactions in elderly patients. Br. J. Clin. Pharmacol., v. 57, n. 2, p. 121–126, 2003.

12.BRITISH MEDICAL ASSOCIATION. Reporting adverse drug reactions: a guide for healthcare professionals. London: BMA Board of Science, 2006.

13.CAMARGO, A. L. Reações adversas a medicamentos: uma coorte em hospital universitário. Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas) – Faculdade de Medicina, UFRGS, Porto Alegre, 2005.

14.GHANDI, T. K.; SEGER, D. L.; BATES, D. W. Identifying drug safety issues: from research to practice. Int. J. Qual. Health Care, v. 12, n. 1, p. 69-76, 2000.

15.WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for Preparing Core Clinical Safety Information on Drugs. Report of CIOMS Working Group III. Geneva: WHO, 1995. (Chapter 5, Good Safety Information Practices). Disponível em: http://www.whoumc.org/DynPage.aspx?id=22684. Acesso em: 13 dez. 2007.

16.AUSTRALIAN DEPARTMENT OF HEALTH AND AGE CARE. Note for guidance on clinical safety data management: definitions and standards for expedited reporting.

Sidney: TGA, 2000.

17.NARANJO, C. A.; BUSTO, U.; SELLERS, E. M.; SANDOR, P.; et al. A method for estimating the probability of adverse drug reactions. Clin. Pharm. Ther. v. 46, p. 23945, 1981.

18.DUKES, M. N. G. Foreword. In: ARONSON, J. K. (Eds.) Meyler’s side effects of drugs: the international encyclopedia of adverse drug reactions and interactions. 15th. ed. Amsterdarn: Elsevier, 2006.

19.DELAMOTHE, T. Reporting adverse drug reactions. BMJ, v. 304, p. 465, 1992.

20.UPPSALA MONITORING CENTRE. WHO Programme for international drug monitoring. Disponível em: http://www.who-umc.org/DynPage.aspx?id=13140&mn=1514#3. Acesso em: 17 Jun. 2010.

21.AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Farmacovigilância. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/farmacovigilancia/apresenta.htm. Acesso em: 20 jul. 2010.

22.CONGRESSO BRASILEIRO SOBRE O USO RACIONAL DE MEDICAMENTOS, 2, 2007, Florianópolis. Os Centros de Informação sobre Medicamentos e os Centros de Informação e Assistência Toxicológica como estratégias para o uso racional de medicamentos: desafios para a informação confiável e independente. Oficina PréCongresso. Anais eletrônicos.. [CD-ROM]. Florianópolis: Ministério da Saúde/Anvisa/OPS-OMS/UFSC, 2007.

 

 

 

Fonte: https://www2.medicinanet.com.br/conteudos/biblioteca/2545/reacoes_adversas_a_medicamentos.htm

 

 

Foto: Google

 


 

 


 

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