Angioedema hereditário: uma doença genética ainda pouco conhecida
Embora tenha sido descrito em 1876, por Milton, ainda hoje muitos colegas desconhecem o angioedema hereditário, a ponto de confundi-lo com outras condições, como complicação de reação adversa a drogas ou alergia alimentar, e retardar, por conseguinte, seu diagnóstico e tratamento.
Clinicamente, o angioedema caracteriza-se por episódios recorrentes de edema subcutâneo ou submucoso, não pruriginoso, os quais acometem com mais frequência face, braços, pernas, mãos, pés, genitália e abdome, geralmente sem associação com urticária, com duração entre dois e cinco dias. Quando afeta o trato digestivo, pode provocar dores abdominais intensas, simulando um abdome agudo.
As crises, que ocorrem usualmente a cada 7-14 dias, apresentam evolução lenta, com pico em 24 horas, e melhoram após um período de 72 a 96 horas. Sintomas prodrômicos como fadiga, irritabilidade, fraqueza, náusea e eritema marginatum podem preceder o quadro em mais de 50% dos casos, surgindo horas ou até um dia antes. Nessas situações, há liberação de mediadores vasoativos, como a bradicinina, que aumentam a permeabilidade vascular, levando ao edema.
De origem autossômica dominante, a doença é causada por uma mutação no gene do inibidor de C1 esterase (C1-INH) e tem prevalência em torno de 1:50.000 pessoas, surgindo mais frequentemente na primeira década de vida, embora a idade de início varie.
Seus desencadeantes podem envolver desde trauma e estresse, passando por infecções, uso de contraceptivos orais e inibidores da enzima conversora de angiotensina, até fatores desconhecidos.
Como diagnosticar
O diagnóstico é feito inicialmente com a mensuração do C4 – que se encontra geralmente abaixo do normal – e com a determinação quantitativa e funcional do C1-INH. A deficiência quantitativa caracteriza o angioedema hereditário tipo I, mais comum, enquanto a deficiência funcional, o tipo II. Já o tipo III, mais raro, apresenta função e níveis normais de C1-INH, podendo estar associado ao uso de estrogênio ou às mutações no gene do fator XII da coagulação.
Em indivíduos mais velhos, um importante diagnóstico diferencial é o angioedema adquirido, frequentemente relacionado às doenças linfoproliferativas ou autoimunes, com produção de autoanticorpos contra o C1-INH, o que leva ao consumo do inibidor de C1. Os níveis de C1q auxiliam o médico nessa análise, pois, enquanto são normais no angioedema hereditário, apresentam-se diminuídos na forma adquirida da doença.
Adaptado de: Diretrizes do diagnóstico e tratamento do angioedema hereditário, 2010.
Tratamento
Para tratar as crises de angioedema hereditário, indica-se a administração do C1-INH ou do C1-INH recombinante, que, contudo, não estão disponíveis no Brasil. Aqui, dispomos do plasma fresco congelado – apesar de esse produto poder piorar a crise, pois o paciente recebe frações do complemento – e do icatibanto, um antagonista do receptor da bradicinina.
Outras medidas ainda incluem a administração de tratamento sintomático, como fluidos, antieméticos, analgésicos, espasmolíticos e narcóticos, especialmente quando o angioedema acomete o abdome, levando a dores muito intensas.
Quando há envolvimento da laringe, com disfonia e disfagia, é importante avaliar a necessidade de entubação profilática e, eventualmente, de traqueostomia.
Métodos preventivos
A profilaxia das crises está indicada de acordo com sua frequência e gravidade, com a localização do edema e com a facilidade de acesso aos serviços de emergência.
O objetivo da profilaxia de longo prazo é diminuir a recorrência e a gravidade dos episódios de edema, o que a torna indicada para indivíduos com sintomas frequentes ou para aqueles cujo quadro envolve as vias aéreas superiores. Para tanto, podem ser usados os andrógenos atenuados, como danazol, estanazolol e oxandrolona, além dos antifibrinolíticos, como o ácido épsilon-aminocaproico e o ácido tranexâmico. Os primeiros aumentam os níveis de C1-INH e C4, mas começam a agir 48 horas após sua administração, razão pela qual não são eficazes durante as crises. Os efeitos colaterais desses medicamentos, como hepatotoxicidade e virilização, estão relacionados à dose.
Os antifibrinolíticos, diferentemente dos andrógenos, não aumentam os níveis de C1-INH e C4. Seu mecanismo de ação, cujo início também se dá após 48 horas, caracteriza-se pelo bloqueio da formação de plasmina, inibindo a atividade proteolítica dos ativadores de plasminogênio e, assim, a dissolução de coágulos.
Já para profilaxia em curto prazo, usada antes de eventos que possam precipitar o quadro, como procedimentos dentários e cirúrgicos, recomendam-se os andrógenos atenuados, os antifibrinolíticos, o plasma fresco congelado e o C1-INH.
Referências
Giavina-Bianchi P et al. Diretrizes do diagnóstico e tratamento do angioedema hereditário. Rev Bras Alerg Imunopatol 2010, 33 (6): 241-252.
Grumach AS. Tratamento. Em: Grumach AS. Angiodema hereditário. Páginas 89-108. 2009. EPM Editora.
Lang DM et al. International consensus on hereditary and acquired angioedema. Ann Allergy Asthma Immunol 2012, 109: 395-402.
Valle SOR & França AT. Angioedema hereditário: conceito, genética e patogênese. Em: Grumach AS. Angiodema hereditário. Páginas 43-51. 2009. EPM Editora.
Vilela MMS. Diagnóstico. Em: Grumach AS. Angiodema hereditário. Páginas 53-70. 2009. EPM Editora.
Zuraw BL. Hereditary Angioedema. NEJM 2008, 359: 1027-1036.
Fonte: http://www.fleury.com.br/medicos/medicina-e-saude/artigos/Pages/angioedema-hereditario-uma-doenca-genetica-ainda-pouco-conhecida.aspx
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