Melatonina
produzida no pulmão impede infecção pelo novo coronavírus.
A melatonina
produzida no pulmão atua como uma barreira contra o SARS-CoV-2, impedindo a
expressão de genes codificadores de proteínas de células como os macrófagos
residentes, presentes no nariz e nos alvéolos pulmonares, e as epiteliais, que
revestem os alvéolos pulmonares e são portas de entrada do vírus. Dessa forma,
o hormônio impossibilita a infecção dessas células pelo vírus e,
consequentemente, a ativação do sistema imunológico, permitindo que o novo
coronavírus permaneça por alguns dias no trato respiratório e fique livre para
encontrar outros hospedeiros.
A descoberta,
realizada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), ajuda a
entender por que há pessoas que não são infectadas ou que estão com o vírus,
detectado por teste do tipo RT-PCR, e não apresentam sintomas de COVID-19. Além
disso, abre a perspectiva de uso da melatonina administrada por via nasal - em
gotas ou aerossol - para impedir a evolução da doença em pacientes
pré-sintomáticos. Para comprovar a eficácia terapêutica do hormônio contra o
novo coronavírus, porém, será necessária a realização de uma série de estudos
pré-clínicos e clínicos, sublinham os autores do estudo.
Os resultados
do trabalho, apoiado pela FAPESP, foram descritos em artigo publicado na
revista Melatonin Research. "Constatamos que a melatonina produzida pelo
pulmão atua como uma 'muralha' contra o SARS-CoV-2, impedindo que o patógeno
entre no epitélio, que o sistema imunológico seja ativado e que sejam
produzidos anticorpos", diz à Agência FAPESP Regina Pekelmann Markus,
professora do Instituto de Biociências (IB) da USP e coordenadora do projeto.
"Essa
ação da melatonina do pulmão também deve ocorrer com outros vírus
respiratórios, como o da influenza", estima.
Os trabalhos
da pesquisadora com melatonina foram iniciados nos anos 1990. Por meio de
estudo com roedores, Markus demonstrou que o hormônio produzido à noite pela
glândula pineal, no cérebro, com a função de informar o organismo que está
escuro e prepará-lo para o repouso noturno, poderia ser produzido em outros
órgãos, como no pulmão.
Em um estudo
também com roedores, publicado no início de 2020 no Journal of Pineal Research,
a pesquisadora e colaboradores mostraram que os macrófagos residentes,
presentes no espaço aéreo pulmonar, absorvem (fagocitam) partículas de
poluição. Esse estímulo agressivo induz a produção de melatonina e de mais
moléculas pelos macrófagos residentes, capazes de internalizar o material
particulado no ar respirado pelos animais, e estimula a formação de muco, tosse
e expectoração, de modo que essas partículas sejam expelidas do trato
respiratório.
Ao bloquear a
síntese da melatonina pelos macrófagos residentes, os pesquisadores observaram
que as partículas entraram na circulação e foram distribuídas por todo o organismo,
incluindo o cérebro.
Com base
nessa constatação de que a melatonina produzida no pulmão altera as portas de
entrada de partículas de poluição, a pesquisadora e colaboradores decidiram
avaliar, agora, se o hormônio desempenharia a mesma função em relação ao
SARS-CoV-2.
"Se isso
acontecesse, o vírus também não ficaria disponível para se ligar ao receptor
ACE2 das células, entrar no epitélio e desencadear a infecção", explica
Markus.
Análise de
expressão gênica
Para testar
essa hipótese, os pesquisadores analisaram um total de 455 genes associados na
literatura a comorbidades relacionadas à COVID-19, interação do SARS-CoV-2 com
proteínas humanas e portas de entrada do vírus, identificados em trabalhos como
os realizados por Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências
Farmacêuticas (FCF) da USP e um dos autores do estudo. Desse total, foram
selecionados 212 genes envolvidos na entrada do novo coronavírus em células
humanas, tráfego intracelular, atividade mitocondrial e processo de transcrição
e pós-tradução, para criar uma assinatura fisiológica da COVID-19.
A partir de
dados de bancos de sequenciamento de RNA foi possível quantificar os níveis de
expressão dos 212 genes que compuseram a chamada "assinatura
COVID-19" em 288 amostras de pulmão saudáveis.
Ao
correlacionar a expressão desses genes com um índice chamado MEL-Index - que
estima a capacidade do pulmão de sintetizar melatonina, baseado na análise do
órgão de roedores saudáveis -, os pesquisadores constataram que quanto menor o
índice, maior era a expressão de genes que codificam as proteínas de macrófagos
residentes e de células epiteliais.
O MEL-Index
também se correlacionou negativamente com os genes que modificam as proteínas
do receptor celular CD147, que é uma porta de entrada em macrófagos e outras
células do sistema imunológico, indicando que a produção normal de melatonina
do pulmão pode ser relevante para lidar com a invasão do vírus.
Os resultados
foram corroborados por um teste de correlação de Pearson - que mede o grau da
correlação entre duas variáveis de escala métrica -, além de uma análise de
enriquecimento de conjunto de redes e de uma ferramenta de rede que integra a
conectividade entre os genes mais expressos, permitindo comparar um mesmo
conjunto de gene em diferentes estados, desenvolvida pelo pesquisador Marcos
Buckeridge, professor do IB-USP e um dos autores do estudo.
"Vimos
que quando o MEL-Index era alto as portas de entrada do vírus no pulmão ficavam
fechadas e, quando estavam baixo, essas portas ficavam abertas. Quando as
portas estão fechadas, o vírus fica vagando um tempo pelo ar pulmonar e depois tenta
escapar para encontrar outro hospedeiro", afirma Markus.
Como a
melatonina produzida pelo pulmão inibe a transcrição desses genes codificadores
de proteínas dessas células que são portas para entrada do vírus, a aplicação
de melatonina diretamente no pulmão, em gotas ou aerossol, permitiria
bloqueá-lo. Mas isso ainda demandará uma série de estudos, ponderam os
pesquisadores.
Outra ideia é
utilizar o índice de melatonina pulmonar como um biomarcador de prognóstico
para detectar portadores assintomáticos do SARS-CoV-2.
O artigo
Melatonin-Index as a biomarker for predicting the distribution of
presymptomatic and asymptomatic SARS-CoV-2 carriers (DOI: 10.32794/mr11250090),
de Pedro A. Fernandes, Gabriela S. Kinker, Bruno V. Navarro, Vinicius C.
Jardim, Edson D. Ribeiro-Paz, Marlina O. Córdoba-Moreno, Débora Santos-Silva,
Sandra M. Muxel, Andre Fujita, Helder I. Nakaya, Marcos S. Buckeridge e Regina
P. Markus, pode ser lido na revista Melatonin Research.
Fonte de
Pesquisa e Foto: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/01/08/melatonina-produzida-no-pulmao-impede-infeccao-pelo-novo-coronavirus.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário